Incerteza sobre próximos meses afeta empresários de eventos; 'A gente sempre falava que mercado de casamento é muito ‘garantido’, quase blindado de crise', diz filmmaker.
“Cada ligação eram muitas
lágrimas. Acho que chorei o dia inteiro porque é muito frustrante. Você cria um
sonho, uma expectativa em cima disso”, conta a monitora de pesquisa clínica
Paula Toni Moreira, de 29 anos, sobre a decisão de adiar o casamento marcado
para 16 de maio. A brasileira que mora em Londres desde novembro de 2018 precisou
mudar os planos por causa da pandemia do novo coronavírus.
Além de uma das medidas para frear o contágio
ser evitar aglomerações - inevitável em festas de casamento -, nos últimos
dias, países têm adotado restrições a viagens e fechado fronteiras.
O evento para 150 convidados
em um sítio em São Bernardo do Campo (SP) foi remarcado para outubro. “Sou da
área da saúde, mas nessa hora é muito difícil separar o racional do emocional
porque a gente tem muita esperança, quer que dê certo. A gente está planejando
desde janeiro do ano passado”, lamenta Paula.
De acordo com a noiva, a
decisão foi tomada na última quarta-feira (18), com a escalada da crise global.
Como as mudanças de cenário com o avanço da doença foram aceleradas, o casal
ainda tinha, nos dias anteriores, dúvidas sobre a necessidade de adiar.
Junto com as limitações
externas, a preocupação com a família também foi determinante. “A gente pensou
muito nos nossos familiares, que a gente não queria expor, e nas pessoas que
prefeririam não ir para não se expor. Até que ponto a gente ia fazer uma festa
para celebrar e não ia ter todas as pessoas que a gente queria? É muito doído,
muito triste, porque a gente tem expectativas, mas esse foi um ponto que pesou
bastante na nossa decisão.”
Apesar do desgaste
emocional, a monitora de pesquisa comemorou o fato de nenhum fornecedor ter
cobrado para remarcar o evento.
Empresários ligados ao setor
têm mostrado solidariedade. A designer Bruna Zonatto passou a oferecer convites
gratuitos para quem tem de remarcar o casamento. “Foi conversando com uma noiva
em um momento de desespero que tive a ideia. Meu contato com os noivos pode
durar meses, às vezes passa de um ano, então, além de tudo, a gente cria uma
relação afetiva muito especial. Esses acontecimentos abalam os profissionais
também, muito além da questão financeira”, afirma.
Lua de mel adiada
André e Laura* não adiaram a
festa, no último dia 14, mas tiveram de mudar os planos da lua de mel no México
para novembro. “Foi muito difícil [tomar a decisão]. A gente acabou de casar,
está feliz. A gente se ama. Mas o clima da lua de mel, a gente não vai viver lá
em novembro. A gente vai fazer uma viagem deliciosa em casal, mas não vai ser
um clima de lua de mel”, lamenta a noiva.
O plano B do casal que
celebrou a união com 180 pessoas em um sítio próximo a Curitiba (PR) foi passar
alguns dias em um apartamento em Itajaí (SC). “Até aqui na praia em que a gente
está, não tem esse clima, mesmo num apartamento maravilhoso na beira da praia,
porque a gente está preocupado. Está cheio de polícia, de notícias. É muito
triste não estar tendo clima. Não é culpa de ninguém, mas é triste”, completa
Raquel.
O voo era as 20h do dia 16 e
eles decidiram mudar às 15h. O custo de remarcar as passagens foi de R$ 2 mil e
o prazo máximo era novembro devido à data da compra, mas o valor para cancelar
era mais alto. Eles também ainda não conseguiram reagendar duas hospedagens,
que somam cerca de R$ 6.500.
Quanto ao casamento, os
noivos contam que não houve pressão para adiar porque o cenário até então não
era tão grave. “A gente não chegou nem a pensar [em cancelar]”, afirma Andre.
“Como a festa começou na sexta e terminou no domingo, era no campo, né… quando
a gente chegou na festa estava tudo bem. Quando a gente saiu e voltou para o
mundo real, o mundo tinha desandado. Foi assustador”, lembra Laura.
Efeito no mercado de
casamentos a longo prazo
À frente da produtora de
vídeos ThZ Wedding, Thaís Lopes Vianna destaca a incerteza a médio e longo
prazo devido à antecedência, que faz parte da
dinâmica do setor. “A gente estava se preparando para abril desde o meio
do ano passado”, conta. “Talvez a gente não tenha noção ainda do tamanho que
vai ser o impacto. Se tudo já é a longo prazo, o que está acontecendo agora vai
continuar impactando por muito tempo”, afirma.
De acordo com a sócia e
filmmaker, abril seria o mês mais cheio, com dois casamentos por fim de semana,
em média, pelo menos metade fora da cidade de São Paulo, sede da empresa. A
velocidade da escalada da crise na saúde também se refletiu no ritmo de
mudanças entre os clientes.
“Na hora em que a gente
começou a se preocupar com as aglomerações nos eventos (pois tínhamos datas
marcadas muito próximas), as pessoas já começaram a entrar em contato. Foi
reação em cadeia, todo mundo pensando exatamente a mesma coisa ao mesmo tempo.
O resultado foi que, em menos de 24h, tínhamos todos os eventos dos próximos 2
meses adiados ou cancelados”, conta.
Imagem/FG TRADE VIA GETTY IMAGES