O Brasil superou neste
sábado (8), a triste marca de 100 mil mortes pelo novo coronavírus
(Sars-CoV-2), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a
partir de dados das secretarias estaduais de Saúde. O total de óbitos
registrados é de 100.240, com 2.988.796 casos de Covid-19.
A primeira vítima foi uma
mulher de 57 anos, que morreu em São Paulo em 12 de março - a morte foi
divulgada no dia 17 daquele mês. Desde então, foram menos de cinco meses até a
marca de 100 mil mortes. A Covid-19 deixou mortos em 3.692 dos 5.570 municípios
brasileiros, ou 66,2% do total.
O Brasil é o segundo país em
todo o mundo a atingir esse indicador com o Covid-19: em maio, os Estados
Unidos chegaram a mais de 100 mil mortos, de acordo com dados da Universidade
Johns Hopkins. Hoje, são mais de 160 mil vítimas nos EUA. Da primeira morte, em
fevereiro, à de número 100 mil, em 27 de maio, se passaram pouco mais de três
meses.
Os números que colocam o
Brasil em destaque negativo já superam o total de mortos em eventos como a
Gripe Espanhola e a Guerra do Paraguai. Em outro comparativo, é possível
apontar que apenas 324 dos 5.570 municípios brasileiros tinham, em 2019, mais
de 100 mil habitantes, segundo o IBGE.
Famílias impactadas
São também, no mínimo, 600
mil pessoas impactadas: segundo estudiosos, o luto pode atingir de seis a dez
pessoas por família. A pandemia impôs um sofrimento sem precedentes para
centenas de milhares de brasileiros, que perderam entes queridos muitas vezes
sem poder se despedir -- velórios e enterros passaram a ter restrições para
reduzir a possibilidade de transmissão do vírus.
São histórias tristes como a
do casal Francisca, 64 anos, e José Ariston, 69 anos, do Distrito Federal, que
estavam juntos havia 42 anos e morreram na última semana com 14 horas de
diferença. Nenhum dos dois pôde ser velado; foram enterrados no cemitério do
Gama. A família acompanhou o sepultamento a distância. Rose Castro, de Marília,
o interior de São Paulo, tampouco pode estar com a família no enterro do pai,
Orioswaldo.
Ou de Flávia Carvalho, que
morreu em 15 de julho em Teresina, no Piauí, deixando o marido e cinco crianças
pequenas: Maria Cecília, que nasceu pouco antes de a mãe morrer, Isadora, de 2
anos, João Lucas e Miguel, de 3 anos, e Gerson, de 5 anos. Desempregado e com
cinco filhos para criar, o homem ganhou a ajuda de vizinhos, que organizaram
uma campanha para ajudá-lo.
Uma das questões que a
pandemia impõe é como lidar com a dimensão das mortes. "Existe uma máquina
de insensibilidade, e a gente tem o tempo todo o trabalho de reverter essa
máquina de insensibilidade", disse o psicanalista Tales Ab'Saber ao podcast
O Assunto sobre as 100 mil mortes. "Se a gente fizer uma reflexão, a
Guerra do Vietnã matou 59 mil pessoas em dez anos. A gente tem 100 mil
brasileiros mortos em quatro, cinco meses."
Perspectiva
O avanço da doença segue sem
perspectiva de diminuição no Brasil: em 34 dos últimos 37 dias (todo o mês de
julho e o início de agosto) morreram mais de mil pessoas por dia, segundo
indica a média móvel de mortes.
Fortaleza, no Ceará, é a
capital em que há proporcionalmente mais mortes no Brasil. Lá, o isolamento
social dificilmente é cumprido. O estado de Goiás também enfrenta a pandemia
com dificuldades, assim como a aldeia indígena em Jacareacanga, no Pará.
"Nós chegamos a essa
tragédia por um acúmulo de erros", disse o médico Drauzio Varella.
Em entrevista à Globonews na
última quinta (6), o médico lista alguns motivos: "Primeiro, nós não nos
preparamos adequadamente para a chegada do vírus aqui, e, sabidamente, ele
vinha". Drauzio lembrou que, apesar das recomendações de cientistas sobre
a necessidade de isolamento para conter a disseminação do vírus, houve
"contradição" nas orientações dadas à população pelos governos
estaduais e o federal.
O presidente Jair Bolsonaro
chegou a criticar o isolamento social, reconhecido como forma eficaz de
contenção do vírus, e causou ainda aglomerações. "Todo o pessoal de
ciência dizendo 'o isolamento é fundamental', e o governo federal apontando na
direção oposta", disse Drauzio.
A única maneira de combater
a doença em grande escala, segundo os especialistas, é uma vacina, que ainda
não está disponível. Na última quinta (6), o governo federal assinou medida
provisória para viabilizar a produção no Brasil de 100 milhões de doses de uma
das mais promissoras vacinas em teste, a chamada "vacina de Oxford".
O Instituto Butantan, de São Paulo, fechou acordo com o laboratório chinês
Sinovac para produzir outra vacina bem-sucedida nos testes até agora contra o
Covid-19.
Bolsonaro e o coronavírus
Na quinta-feira, Bolsonaro
falou sobre a iminência das 100 mil mortes. "A gente lamenta todas as
mortes, já está chegando ao número 100 mil, talvez hoje. Vamos tocar a vida.
Tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema", declarou,
ao lado do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, em uma live.
Desde o início da pandemia,
em março, Bolsonaro deu diversas declarações sobre a necessidade de
"seguir em frente", mesmo com o número de contágios e mortes
crescendo a cada dia.
Veja frases de Bolsonaro
durante a pandemia
Em 28 de abril, ele disse,
sobre as mortes por coronavírus: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?
Eu sou Messias, mas não faço milagre", fazendo referência ao próprio
sobrenome. Em seguida, disse se solidarizar com as famílias das vítimas.
Naquela data, o Brasil tinha 5 mil mortes por causa do coronavírus.
Um pouco antes, em 20 de
abril, quando o país registrava mais de 2,5 mil mortes, Bolsonaro foi
questionado a respeito e respondeu: "Ô, cara, quem fala de... Eu não sou
coveiro, tá certo?".
Ele também defende o uso da
hidroxicloroquina no combate ao Covid-19. O remédio, no entanto, se mostrou
ineficaz no tratamento da doença, segundo apontou, entre outros, um estudo
brasileiro.
Fonte:G1